É necessário recuperar a confiança

O Brasil passa por um dos piores momentos da sua histórica na área econômica e política e ultimamente estamos fazendo mais um trabalho de psicologia, tentando levantar o moral dos nossos compatriotas, do que sendo analista em busca de cenários positivos que acabam por moldar as estratégias empresárias. Isso não é muito diferente no setor sucroenergético que também passa por tempos de provação, exigindo criatividade e resiliência de executivos e empresários do setor.

As grandes transformações globais, se por um lado podem ajudar as cadeias econômicas mais tradicionais, por outro a inovação pode balançar as estruturas e desorganizar sistemas econômicos centenários e já consolidados. No mundo do Agro não é muito diferente, aliás na minha opinião veremos mudanças até maiores nos próximos anos, simplesmente porque o campo de trabalho é extremamente vasto com resultados que poderão aparecer no curto prazo.

Esse processo geralmente requer um tripé muito importante. Incialmente, é necessário ter uma ideia inovadora, que normalmente nasce a partir de um problema identificado, depois é preciso ter a engenharia financeira ou um ecossistema inovador que possibilite essa ideia ser desenvolvida. Por fim, é preciso encontrar um ambiente de aceitação do novo por parte daqueles que poderão efetivamente usufruir da proposta, onde também incluímos a abertura por parte das autoridades reguladoras. Esse movimento é exemplificado pelo mundo das startups, algumas delas já com grande sucesso.

Na indústria em geral se fala muito no 4.0, com uma grande transformação com a robotização e a digitalização dos processos, sensores dão maior capacidade de gerenciamento, correção dos problemas com menor tempo e melhoria dos processos produtivos com mais facilidade. A geração de dados virou uma febre, falta agora saber a melhor forma de organizá-los e o que faremos com eles. Da mesma forma o Agro caminha para o 4.0.

É nesse novo mundo, em constante e rápida transformação que o setor sucroenergético brasileiro precisa se renovar e se remodelar. As estratégias de longo prazo precisam levar em conta as macrotendências mundiais e suas consequências sobre o setor, sendo a primeira os avanços tecnológicos já abordados. Passamos por uma mudança rápida na demografia com um crescimento e envelhecimento da população, associada a uma urbanização acelerada, com a migração do campo. Soma-se a essas três tendências, o deslocamento do poder econômico mundial, principalmente com o crescimento do poderio chinês, além é claro da preocupação cada vez maior com as mudanças climáticas que em geral causa escassez de recursos.

Analisando de perto essas tendências é possível concluir que o setor sucroenergético está totalmente inserido neste contexto com oferta de alimento e energia limpa. Contudo, estamos no Brasil e as incertezas econômicas, políticas e institucionais têm tirado principalmente a confiança tão necessária aos novos investimentos, principalmente na entrada de novos players. Da mesma forma, a falta de confiança no futuro tem afastado jovens talentos e profissionais capacitados do setor.

Algo precisa ser feito, é necessário recuperar a confiança, atualmente o setor tem recebido forte pressão devido aos vultuosos subsídios de países produtores de açúcar, além de campanhas negativas contra o seu uso com alto potencial de impacto no consumo do produto. Pelo lado da energia, há um grande movimento mundial em favor do carro elétrico a bateria, principalmente associado ao aumento do uso de energia solar fotovoltaica, um verdadeiro rolo compressor que prega o uso de vultuosos benefícios com recursos por parte dos fabricantes de equipamentos, governos e, também, pelo mercado financeiro.

A busca da solução começa dentro do próprio setor. A procura da eficiência e menores custos precisa ser intensificado, o setor precisa ficar mais competitivo, para isso será preciso produzir mais sacarose por hectare de cana. A tecnologia está pronta para atender o setor, é preciso intensificar a conectividade do campo com a gestão, os dados precisam ser coletados, transmitidos e auxiliar na tomada de decisão.

Um associado da SIAMIG, recentemente, reportou um fato que corrobora essa análise. A aplicação de defensivos realizadas com máquinas, coloca muitas vezes os colaboradores das usinas em um trabalho solitário e distante da unidade industrial. Em uma área de 500 hectares percebeu-se de um ano para outro uma perda de produtividade de mais de 20% com o aparecimento de uma praga específica, em contraponto com o restante das áreas da empresa. Após a análise do fato, ficou constatado que o funcionário não havia aplicado o produto na área específica no momento correto. Se existisse um sistema de monitoramento interligado, o erro provavelmente teria sido corrigido rapidamente e o prejuízo seria mínimo.

Para tal é necessária uma maior organização no ambiente de pesquisa e desenvolvimento do setor no Brasil, seja no ambiente digital, industrial e principalmente no agrícola. Há uma escassez de recursos geral que tem prejudicado as poucas ações hoje existentes. Devido à atual situação financeira do governo brasileiro, constata-se que a solução passa principalmente pelo setor privado. Iniciativas como o etanol de segunda geração, a cana transgênica ou transformações nos sistemas de produção podem ser aceleradas em um ambiente como esse.

Com a casa arrumada, é necessário um trabalho no ambiente institucional. A primeira ação é a consolidação das regras do mercado de combustíveis no Brasil. Essa proposta passa por 4 pontos, regras de precificação clara dos derivados, aumento da concorrência no mercado de distribuição, o fim do monopólio de fato do refino e do transporte por duto pela Petrobras e claro pela implantação definitiva do RenovaBio. Sem dúvida, essas quatro ações alterariam sobremaneira a percepção do mercado, tanto de produtores quanto de investidores sobre o futuro do etanol no Brasil.

Não menos importante, também no campo institucional, que envolve todo o setor exportador brasileiro, é imprescindível que o Brasil mude sua postura nas negociações comerciais com o mundo. Nosso país tem mais de 200 milhões de habitantes, com um grande mercado consumidor, somos grandes exportadores de commodities e precisamos ter mais efetividade no comércio internacional.

Por fim, o setor precisa se comunicar com a sociedade, um investimento constante e institucional. Não dá mais para negligenciar mais o fato que apesar de setor realizar um grande trabalho, tanto de cunho ambiental quanto econômico social, há um sério preconceito que ronda todas as ações deste setor tão importante para a sociedade brasileira. Isso não é uma suposição, mas sim uma constatação, existe sim uma má vontade generalizada contra o setor de cana no Brasil, é para resolver isso será preciso investir. É necessário engajar toda a cadeia, do produtor de insumos ao produtor de cana, a indústria de máquinas, enfim a todos que de uma forma ou de outra se beneficia de um segmento que gira mais de R$ 100 bilhões todos os anos.

Enfim, o futuro do setor passa pelas próprias mãos do setor, teremos muitos “inimigos” pela frente, setores muito bem organizados e conectados com a mais alta tecnologia e com as macrotendências mundiais, mas a resiliência e o empreendedorismo que nos trouxe até aqui poderá com um pouco mais de organização, estratégia e espírito de grupo nos trazer de volta ao protagonismo de outrora.

Extraído da revista Opiniões – Jul/Set 2018

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